Condução Defensiva - Euro 2008
Mais uma semana, mais um passeio pelo Guia Euro 2008 do DN. Não me consigo libertar, é verdade. Mas a questão que se deve colocar é COMO libertar-me se, quando penso que já não há mais nada a explorar, deparo-me com textos maravilhosos, como aquele que Rosa Lobato Faria dirige a Deco. Parece uma singela cartinha, em que um eu deslumbrado se dirige a um tu, e na qual proliferam os diminutivos, bem ao tamanhinho de Deco, assim como a repetição de uma espécie de incansável refrão, tão inocente que duvido que Deco, numa primeira leitura, consiga entender toda a força magnética que encerra aquela pequenita frase. É com ela que Rosa Lobato Faria começa o texto. Diz ela – e ouçam bem, que isto é coisa para marcar a literatura desportiva que temos vindo a analisar nas últimas semanas – diz ela, então: «Vai, Deco!». Eu não me quero entusiasmar, mas dá-me ideia que do mesmo nível que isto, tão suave e arrebator quanto isto, só mesmo o «Bate leve levemente como quem chama por mim». Mas qual Balada da Neve, qual quê! É a Balada do Deco que, de agora em diante, será para sempre citada como o melhor exemplo poético-pastoril da literatura portuguesa. Sublinhado, ainda por cima, pelo facto de todo este artigo de Rosa Lobato Faria ser pulverizado magnificamente por diminutivos que, paradoxal e poeticamente, enaltecem Deco. Da «carinha séria» que ele tem quando remata à baliza ao «Maradoninha» que ele foi quando jogava no Bonfim F.C.; do «magrinho» que ele era aos 15, 16 anos aos pormenorzinhos que marcaram o percurso futebolístico do rapaz e que, relatados até à exaustão, enchem esta linda composição de detalhes romanescos. E com isto corrijo-me: não se pode comparar este texto à Balada da Neve; ele é muito superior e arrisco-me a sustentar que só pode mesmo ser comparado a um artigo da wikipédia. Esta é, aliás, outra das características grandiosas do texto de Lobato Faria: ao misturar factos que oscilam entre datas, épocas, clubes, salários, enfim, os marcos do percurso desportivo de Deco, com factos a que poderíamos chamar desportivo-pessoais, este artigo faz nascer no leitor a vontade de o editar sem parar, de emendar, reescrever, corrigir, alterar – tal e qual como num artigo da wikipédia. E isto, minhas amigas, caros ouvintes, é a prova de que este tipo de literatura, é a prova de que a literatura desportiva, oferecida assim de bandeja, posta assim nas mãos de quem nada sabe de desporto e segue apenas o seu instinto literário, se transforma na mais contemporânea de todas as artes, aquela que tudo sintetiza e incorpora: a banalidade, o rascunho, a paráfrase e a superficialidade, em grande estilo e apenas a troco de uns tostões. Dá vontade de dizer: «Vai, Rosa Lobato Faria!» Ou, então, terminar, surpreendendo-vos com a exclamação da derradeira e improvável frase deste texto: «Vai, Deco!»