O Que é Nacional é Bonzinho - Alfaiates
No território nacional, há várias espécies em vias de extinção: do cachalote dos Açores ao pombo-trocaz da Madeira; do lince da Serra da Malcata ao lobo ibérico do Norte do país; da águia real do Noroeste aos alfaiates de toda a Nação. Este último caso inspira particular cuidado. Têm sido feitas inúmeras prospecções e saídas de campo com o objectico de avistar comunidades de mestres alfaiates nos seus habitats naturais; o país tem sido percorrido de Norte a Sul e apenas em Belmonte, há cerca de uma semana, foi possível detectar um pequeno ajuntamento deles. O fenómeno, qual milagre, aconteceu no 19.º Encontro de Mestres Alfaiates - uma iniciativa que pode extinguir-se mais depressa do que a própria arte da alfaiataria. O cenário é catastrófico e encosta a um canto o aquecimento global. Quem prevê tão triste destino para o universo dos alfaiates nacionais é Carlos Godinho, o homem, aliás, o herói,autorizado por 46 anos de viagens no comércio de tecidos, que conseguiu juntar 60 mestres. Se pensarmos que são cerca de 2000 os profissionais da área, a comunidade reunida representa cerca de 3%, uma amostra válida, sem dúvida, por estarmos a falar de uma espécie em vias de extinção. Mas a sentença não é animadora. Acrescenta Carlos Godinho que «os alfaiates mais novos devem ter uns 40 anos. Por isso, eu digo: daqui a uns 20 anos já não há alfaiates em Portugal.» E eu digo: vamos pôr um travão nisto! Começando por perceber de quem é a culpa. Não é difícil: como qualquer espécie ameaçada, também os alfaiates são vítimas do homem. Neste caso, do homem com “h” pequeno, os seres do sexo masculino que, em vez de pagarem 1000 euros por um fato à medida, pagam 100 por uma vestimenta da Zara que, depois do baile do casamento, vai directa para o lixo porque nem na lavandaria lhe conseguem arrancar o cheiro a suor. Mas há mais: o grande culpado é o homem com um “h” tão pequenino que é só um: o chefe do Governo. Por um lado, espezinha os alfaiates nacionais ostentando elegantes fatos Hugo Boss; por outro, nunca criou escolas para ensinar a arte, nunca criou um estatuto para os alfaiates e ainda os sobrecarregou com impostos. Ou seja, Sócrates é, para os alfaiates, aquilo que a China é para o ar puro. Corrompe-os, sufoca-os, aniquila-os. Mas nós, condutoras de Domingo, sempre solidárias, juntamo-nos a esta causa. Não vamos organizar um festival, um Live Aid com o lema «salvem os mestres alfaiates», mas vamos repetir bem alto uma frase de Carlos Godinho capaz de acabar com este massacre. Ouça bem, engenheiro Sócrates: «Os alfaiates transformam um corpo mal feito numa obra de arte.» Lembre-se disto sempre que o assaltar uma vontade louca de aparecer numa anúncio da Vanity Fair, e prove que em breve vamos poder voltar a dizer: «É este o tempo em que toda a gente tem o seu fatinho!»