Condução Defensiva - Pinto da Costa
Serve esta condução defensiva para lançar um apelo a Pinto da Costa. Numa entrevista publicada na Visão, o presidente do FCP levantou a hipótese de vir a escrever as suas memórias. Ora eu, depois de ler as 10 páginas da entrevista, desafio-o a lançar-se já na aventura da escrita. Isto porque tudo me leva a crer que Pinto da Costa já tem aquilo de que necessita para compôr um livro jeitoso. Em primeiro lugar, tem uma tese com profundidade suficiente para requerer uma defesa consistente e aliciante, capaz de deitar por terra alguns dos mitos do País: «No futebol, existe muita gente boa, culta e instruída. Mas, como em muitas coisas da vida, também temos de lidar com pessoas boçais, incultas e até estúpidas.» Ora isto retoma, desde logo, parte dos temas que têm marcado a tradição literária portuguesa. Aliado aos três grandes topos pintocostanianos – o benfiquismo como causa da degradação moral do indivíduo; a região norte do país como construção ficcionada pelos lisboetas para garantirem o seu domínio geo-estratégico; a nostalgia da corrupção, simbolicamente considerada a via de acesso a uma realidade perdida in illo tempore - teríamos certamente uma obra que se destacaria pela originalidade e pela capacidade de conjugar a tradição com o talento individual deste futuro autor. Por outro lado, Pinto da Costa já possui também as suas máscaras, fundamentais para qualquer aspirante a escritor. Diz ele que «o culto da personalidade é detestável», mas por detrás desta afirmação esconde-se um eu estilhaçado pela necessidade de dominar um clube de futebol, de empregar o possessivo quando se refere ao treinador desse clube ou pela irrepremível vontade de se candidatar à presidência da câmara da segunda cidade do país, enfim, um eu em luta contra a sua própria cisão interna. Mas há mais: Pinto da Costa, mesmo antes de começar a escrever, revela-se já um mestre do estilo. É notório o fascínio pela linguagem metafórica e alusiva. Reparem: «Se certos papagaios que aí andam fossem escutados e fosse vigiada a forma como fazem contratações...» É de uma riqueza estilística sem par, coisa que se nota ainda melhor nos momentos em que Pinto da Costa destila subtileza. Vejam como justificou por que razão por vezes cai nas tentações do sarcasmo: «É difícil não baixar o nível com certas pessoas. Se mantiver o nível não percebem. Não vou citar Régio ou Nobre senão ainda me perguntam se eles são presidentes da Firestone ou da Goodyear. E eu de pneus não percebo nada.» É que Pinto da Costa é um exímio cultor da ironia e é através dela que se manifesta a sua veia humorística. Mas vamos fazer uma pausa para saborearmos com vagar as manobras literárias pintocostanianas. Retomaremos esta condução defensiva dentro de instantes com a análise do humor literário do presidente do FCP.
Estávamos, então, a apelar ao lançamento da carreira literária de Pinto da Costa, salientando as características que apontam desde já para um grande escritor. Para mim, o mais significativo nesta matéria é a veia humorística de Pinto da Costa. Apesar de na literatura portuguesa serem muitos os escritores que cultivam o ludismo e a ironia, poucos têm conseguido atingir o nível de Jorge Nuno, sobretudo se pensarmos que é uma espécie de autor “em antestreia”. Os exemplos multiplicam-se: quando lhe perguntam do que mais gosta em Lisboa, não resiste a responder «a zona das partidas no aeroporto». Vou fazer uma pausa para que todos possam soltar essa gargalhada contida. Já está? Então, atentem na próxima frase: «Qual o problema do Benfica? Se dissesse, ainda o resolviam!» Ou esta outra, para mim, a melhor tirada humorística de Jorge Nuno: «Ganho mais ou menos dez mil euros por mês.» Aposto que neste momento estão os ouvintes todos agarrados à barriga. Outros exemplos, de uma ironia mais fina e mais magoada: «Não sei o que é o poder; se o tivesse, talvez algumas pessoas não fizessem o que fazem.» ou «Os quilómetros de fita das minhas chamadas gravadas talvez dêem para ir à Luz e voltar!». Mas não se pense que este apurado sentido de humor aniquila o lado amoroso do dirigente desportivo. Pinto da Costa é, sem dúvida, um poeta; ele sabe que uma palavra encerra múltiplos sentidos. Se lhe perguntam se é um mafioso rodeado por seguranças, Jorge Nuno esclarece que quando vai a qualquer lado a única segurança que tem é a mulher. Aqui, a palavra segurança tem um duplo sentido: por um lado, significa que a mulher o acompanha, vai literalmente com ele; por outro, é ela o seu porto de abrigo, o seu refúgio amoroso. Mas nada disto espanta. Afinal, Pinto da Costa tem as melhores referências e influências literárias: Nobre, Camilo e Régio. Por acaso, todos escritores ligados ao norte. De Nobre creio que Jorge Nuno herdou, para além da condição de menino fadado desde o berço para ser princípe, o talento para recuperar as vozes do povo; de Camilo herdou, para além dos nomes dos filhos, um Jorge, outro Nuno, e de um incomparável conhecimento da linguagem, a capacidade de exprimir o génio sentimental lusitano; de Régio, para além de certos apontamentos dramáticos, a lucidez de saber por onde não vai. E assim se pode compreender que estão lançadas as bases da carreira literária de Pinto da Costa, tão afastado está ele do «penso eu de que» do passado. Resta-me apenas sugerir, antes de se lançar nesta empresa e para melhor a promover, a organização de saraus de poesia em pleno relvado do Estádio do Dragão, com Pinto da Costa declamando o regiano Cântico Negro. De momento, não me ocorre melhor programa literário para esta primavera pós-campeonato.