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Condutoras de Domingo

Elas em contramão, sempre a abrir, pelos acontecimentos da semana.

Elas em contramão, sempre a abrir, pelos acontecimentos da semana.

Condutoras de Domingo

27
Jan08

Condução Defensiva - Maria Filomena Mónica

condutoras de domingo
Há assim uns livros que insisto em ignorar. Faço-o por apreciar ter saúde e por saber que não adianta revoltar-me por existir quem os edite e compre. No entanto, quando pessoas competentes denunciam a publicação de um livro, a obra torna-se irresistível. Num só sentido, claro: é de certeza tão má que há por ali comédia garantida. Isto aconteceu com Cesário – Um génio ignorado, de MªFilomena Mónica. Eu bem que dei de caras com o livro e dele fugi a sete pés, mas o que sobre ele escreveu Eugénio Lisboa fez com que cedesse à tentação de um verdadeiro pecado mortal: perder tempo a ler uma péssima biografia. É que Eugénio Lisboa, ao contrário de Filomena Mónica, não gasta papel à toa e muito menos se sente na obrigação de denunciar uma vergonha literária se os motivos não forem graves. E o que se passa nas páginas de Cesário – Um génio ignorado é tão grave que justifica que se fale da «indesejada e trôpega incompetência» de Mónica. A expressão é precisamente de Eugénio Lisboa, uma pessoa rara que não hesita em pôr o dedo na ferida, mesmo nos casos em que as aparências mediáticas as ocultam. Como é óbvio, Filomena Mónica acha que não tem feridas, até porque, na opinião que tem dela mesma, é linda e inteligente. Pois, eu, sempre que reparo nela, descubro uma gigantesca escara intelectual colonizada pelos piores germes, os da arrogância e da ignorância. Tranquiliza-me apenas o facto de ela própria o assumir neste livro (não percebendo que o faz, claro). Mónica admite ter escolhido biografar um poeta sem, no entanto, gostar de poesia. Ao que parece só conhecia a «Balada da Neve» e uns versos d’Os Lusíadas. Para ultrapassar isto e conseguir penetrar nos mistérios da poesia, comprou uma enciclopédia de nome sonante e, já com ela debaixo do braço, percebeu que dominar tão delicada matéria seria coisa para levar uns anos. Ora, ela não estava para isso, até porque assim o livro nunca mais sairia, um excelente plano B, sem dúvida, e também a prova de que o que lhe falta em inteligência e sensibilidade literárias sobra-lhe em esperteza saloia. E lá foi ela, loira e divina, enchendo páginas com paráfrases dos poemas do pobre Cesário, uma espécie de copy-paste de terceira categoria tão delirante e hilariante quanto deprimente. Tudo isto porque, qual Madre Teresa das Letras, sentiu o apelo divino - ela foi a escolhida para dar a conhecer aos seus contemporâneos Cesário, o poeta a quem Pessoa chamou Mestre, o poeta que determinou o rumo da poesia portuguesa do século XX. Ah, pois é, Mena Mónica descobriu a pólvora poética! E, com os livros que vender, vai conseguir estilhaçar o verdadeiro sentido da obra de Cesário. Ora digam lá se a ignorância não é mesmo uma benção nesta nossa terra das “oportunidades aos oportunistas”?!
13
Jan08

Condução Defensiva - Leya

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2008 ainda mal começou. Para nós, pelo menos, que, cheias de esperança, nos fartámos de comer passas e pedir desejos. Só que nós somos gente que se passeia de carro ao Domingo, gente que respeita as tradições. No pólo oposto, encontramos os “outros”. São como os “the others” do Lost: dominam algures uma ilha habitada também por nós, mas que, no fundo, nos é inacessível. Esses “outros” são criaturas capazes de muitas contas de somar, que começaram o ano acelerando a fundo em direcção ao lucro numa qualquer nave espacial. Ou seja, foram directos ao assunto e transformaram esta primeira quinzena num motivo para disparar números e feitos que, na verdade, já tinham atingido no final de 2007. Isto costumava acontecer no mundo da política e do futebol; agora a megalomania abateu-se aos trambolhões sobre o mercado livreiro português. É natural. No país onde existe a mais inteligente livraria do mundo, estranho seria não haver um grupo editorial a atirar para o “gigantone”. Chama-se Leya e é uma espécie de império ilustrado com números: novos títulos são mil, milhões de euros são 90, editoras são 8, já para não falar do valor de um prémio literário a criar – 100 mil euros para um romance inédito. Nada mais perigoso! Num país onde proliferam mais depressa Margaridas Rebelos Pintos do que as próprias margaridas (as flores), qualquer pessoa capaz de redigir duas linhas sem lapsos gramaticais vai lançar-se de mergulho na bela aventura da escrita. Ora, isto pode gerar um mau ambiente terrível, tanto no plano ecológico, pelo enorme desperdício de papel e tinteiros, como no plano social: a próxima pessoa a receber o prémio Camões corre o risco de meter ao bolso a mesma quantia que um qualquer novato com imaginação e alma de passarinho. Porém, o mais preocupante reside na adolescente obsessão por números e tamanhos que encobre um vazio de ideias flagrante. Basta, aliás, perder um segundo para ouvir a justificação dada por um responsável da Leya relativamente à aposta nos livros escolares. O senhor não falou do facto de todos os miúdos em idade escolar terem que comprar manuais e, por isso, este ser um negócio de rentabilidade garantida, não; disse que a Leya quis dominar o mercado dos livros escolares «porque é na escola que se adquirem hábitos de leitura.» Ó meu amigo, se me falasse de livros dos Cinco e dos Sete, ainda passava, mas assim... Que criança adquire hábitos de leitura com manuais e livros de exercícios? E veio isto da mesma pessoa que, quando apresentou o grupo Leya aos jornalistas, a palavra que mais repetiu foi “crescer”. Quer-me parecer, a mim, que alguém se anda a esquecer de pôr fermento neste bolo...
30
Dez07

Condução Defensiva 2007

condutoras de domingo

O ano que agora acaba foi pródigo em fazer correr tinta nos jornais... mas, também, nas editoras. Podem continuar a dizer que os portugueses não lêem, mas lá que adoram escrever, isso, não há que negar, sobretudo tendo em conta a quantidade de livros que se publicam. Em 2007, houve de tudo para todos os gostos, desde a pequena Maddie - esse anjo da Praia da Luz que fez o milagre da desaparição e da multiplicação dos livros – a José Rodrigues dos Santos - que sempre atento aos gritos da moda, meteu na cabeça que era o Al Gore português e lançou mais um épico para ser adaptado ao cinema de Hollywood -, passando pela guerra de palavras – ou palavrões – protagonizada por Miguel Sousa Tavares e Vasco Pulido Valente... houve de tudo, como na Feira da Ladra. E o que houve mais foi literatura que devia ter passado por cima de 2007 sem passar pelas bancas. Saía da gráfica, directamente para o caixote do fundo da cave do alfarrabista. Aqui ficam alguns exemplos!

 

Um pequeno grande amor; Truques & dicas – Os conselhos do “Fátima”; As crónicas do Eirózinho; Como tornar o Benfica campeão?; Momentos de Cristiano Ronaldo; Porque adoptámos Maddie?; Audiolivro do Diário da tua ausência, lido por Margarida Rebelo Pinto e apresentado por Pedro Abrunhosa; Como saber se o teu namorado é anjo ou demónio?. Não, não pensem que isto é uma pergunta à qual vou responder. Isto é um livro publicado em 2007. E, tal como os que referi antes, um livro que não devia ter sido publicado em 2007. Citei apenas alguns títulos porque, se fosse ler a lista completa, a emissão da Antena 3 não passaria disto no próximo trimestre. São aos milhares, meus amigos, os livros que não deviam nunca ter visto a luz do dia e das livrarias. E, no entanto, continuam a multiplicar-se mais depressa do que coelhos em tempo de cio; alastram-se pelos escaparates com mais velocidade do que um cancro maligno. Houve dois que tiveram um impacto impressionante: A Bruxa de Portobello, de Paulo Coelho, e Eu, Carolina, da Sra. Salgado. É que ambos possuem o dom do eterno lucro: saíram em 2006, mas no final de 2007 toda a gente continua a pensar que são novidades. Em relação a Eu, Carolina é fácil perceber: o livro transformou-se num sortido de bombons e polémica, é livro e filme ao mesmo tempo e, apesar de ter chegado às livrarias há um ano, foi com ele que, no Verão passado, os portugueses se deitaram sobre as areias finas da Costa da Caparica. Com Paulo Coelho, o caso muda de figura: já ninguém lhe liga, o homem é como um bibelot pendurado na estante de uma tia afastada, mas, ao 13º livro, continua a vender milhões. Por que raio ainda há gente a precisar de comprar A Bruxa de Portobello para perceber que aquilo é mau?! É um mistério que coloco à vossa consideração neste fim de ano, apelando a que o desejo da vossa 12ª passa seja dedicado ao final da carreira místico-literária de Paulo Coelho. Felizmente, 2007 não foi só feito disto, teve coisas boas: na música, por exemplo, o regresso de Robert Wyatt; nas artes plásticas, Rauschenberg em Serralves; e na literatura, no meio daquele lixo todo, em certos cantinhos obscuros, houve o regresso de Alberto Pimenta, de Adília Lopes e a reedição d’O poeta nu, de Jorge de Sousa Braga, o homem que resolveu o enigma do sorriso da Gioconda. Diz ele que «um dos meninos do Botticelli surpreendeu-a, de noite, com um dedo acariciando o baixo-ventre.» E foi a ele que ouvi um conselho que vos deixo para vos guiar nos momentos de 2008 em que decidam comprar livros, ir ao teatro, ao cinema, a uma exposição: "Se tiverem dois pães vendam um e comprem um lírio".
16
Dez07

Condução Defensiva - D. Duarte vs. Saramago

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«É um senhor senil!» Ouviram bem a frase? Agora imaginem-na soprada por debaixo do bigode de D. Duarte para as orelhas em fogo de Saramago. É verdade: D. Duarte chamou senil ao escritor que aqui há uns anos foi censurado por cá e mudou-se mais para Este... Tudo bem: Saramago quer ser espanhol. Só não percebo por que razão insiste na ideia de o país ir viver com ele para Espanha. Será que ainda não percebeu que o país é má companhia?! Parece que não. Pelo menos, em Julho, continuava a afirmar que «Portugal acabará por ser uma província espanhola.» E, contra esta blasfémia, em defesa da Pátria, das profundezas de uma mui nobre penumbra “bigodística”, ergueu-se a voz de El-Pretenso-Rei D. Duarte Pio: «É um senhor senil que recebeu um prémio literário que não devia». Ora toma, Saramago! A partir de agora, nos dicionários de Literatura, vai aparecer na entrada Saramago: «senil que ganhou o Nobel». D. Duarte dixit! Ainda por cima, atempadamente: apenas 9 anos depois de o escritor ter recebido o Nobel. Em 98, ainda conseguiu referir que, apesar de Saramago insultar os sentimentos cristãos, o Nobel era uma honra para a literatura portuguesa. Dê lá por onde der, a Pátria é o importante para D. Duarte, o Justiceiro. Mas o que interessa agora é que o mais recente insulto do “Sr. Pio” chegou somente 5 meses atrasado. Compreende-se: D. Duarte é um visionário e, como tal, leva o seu tempo a reagir. Passa a vida a falar sobre o futuro com os seus reais botões do passado. E vê, como causa de todos os males, a República e os republicanos. Aliás, a República está em piores lençóis que Saramago; calhou-lhe a culpa pelo atraso do país. Diz o “não-rei”: «Em 1910, está­vamos a meio da tabela; hoje, em último». Pois, claro, se os pais do Saramago nunca se tivessem encontrado, já não havia portugueses senis. Só me surpreende que, com a sua perspicácia, D. Duarte tenha desperdiçado um dos assuntos de que se tem servido para insultar Saramago - as trasladações para o Panteão, único assunto, aliás, que consegue usar antecipadamente. Há uns 3 meses, quando calhou a vez a Aquilino, Duarte Nuno afirmou que esperava que semelhante honra nunca calhasse a Saramago. Ou seja, Aquilino, escritor-terrorista para os monárquicos, não interessa nada. Diz o “não-rei” que a sua trasladação apenas pode «encorajar futuros actos de terrorismo». Agora, Saramago no Panteão, não! Porquê? Será que o Sr. Pio acha que a trasladação de Saramago iria encorajar futuros actos de senilidade? Mas não nos precipitemos! Lá por viver em Espanha, ter 85 anos e uma pneumonia, Saramago está vivo, ó camarada monárquico!


 


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Todos os domingos na Antena 3, entre as 11:00h e as 13:00h. Um programa de Raquel Bulha e Maria João Cruz, com Inês Fonseca Santos, Carla Lima e Joana Marques.

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Condutoras de Domingo é um programa da Antena 3. Um percurso semanal (e satírico) pelos principais assuntos da actualidade e pelo país contemporâneo.

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