23
Mar08
De Encontro ao Pára-Brisas - Leilões
condutoras de domingo
Anda tudo obcecado com leilões de beneficência. “Tudo” é como quem diz; os obcecados são os ricos e poderosos deste mundo, gente com uma quantidade valente de tostões para dar a troco de publicidade gratuita e boa imagem. Apanharam esta febre dos leilões Madonna e a filha de 11 anos, Uma Thurman e o namorado, Salma Hayek, Anna Wintour, Tom Cruise, Katie Holmes, enfim, uma mão cheia de gente rica, poderosa e, claro, superficial. É que nunca os leilões foram tão fúteis como agora. Reparem bem: num jantar de gala organizado por Madonna e pela Gucci para ajudar o Malawi, uma das preciosidades leiloadas foi uma sessão de treino privado com David Beckham, sessão essa arrematada por Salma Hayek por 350 mil dólares. Esperemos que os dois suem as estopinhas, que façam muitos pinos e dêem muitas cambalhotas. Falo em sentido literal, obviamente.
Afinal, poucos são os que se sujeitam a tanto sacrifício em nome do Malawi! E, na verdade, sempre é mais útil ao Malawi haver alguém que treine os biceps e os triceps para eventualmente um dia ir trabalhar nos campos de cereais do que alguém que, pela mesma causa, saque uma mala Gucci por 60 mil dólares só porque nela vai poder inscrever o próprio nome. Foi o que conseguiu o tal namorado da Uma Thurman, que deve ter saído do leilão formoso, seguro e completamente gay (feliz, claro). Mais frustrada saiu a filha de Madonna. A Madonnita falhou uns bilhetes para o programa American Idol, coisa que, como se sabe, pode abalar o universo de uma pré-adolescente americana. Só com umas boas doses de Prozac é que a miúda se vai salvar da depressão. Até porque os bilhetes apenas custaram 95 mil dólares e não há direito de ser privada de ajudar o Malawi por essa ninharia. É desta matéria e destes materiais de alta qualidade que são feitos os actuais leilões de beneficiência; disso e de muitas mais coisas estúpidas vendidas em nome das melhores causas. Um sinal, ou melhor, uma gigantesca verruga dos nossos tempos sem propósitos desinteressados. Pudera! Quem não teria segundas intenções se pudesse ter David Beckham a puxar-lhe pela perna numa sessão de stretching?! E, ainda por cima, ficando, assim mesmo, de perna alçada, com fama de “gente boa”. Ah! Que bom é ser estúpido e, no entanto, solidário. Ou talvez não, que isso é coisa do passado e só me faz recuar aos anos 80, quando ouvia a vizinha do lado dizer que o Marco Paulo, apesar de piroso, ajudava muito as criancinhas. Ou seja, talvez o que seja mesmo bom é ser solidário e, no entanto, estúpido. Nos tempos que correm, nada mais legítimo.